A cada 100 índios mortos no Brasil, 40 são crianças
O levantamento mostra que nos últimos sete anos 2.365 índios morreram por causas externas (acidentes ou violência), dos quais 833 foram vítimas de homicídio. Outras 228 mortes por lesões não tiveram sua intenção determinada. Não há informações sobre a autoria dos crimes.
O DSEI Mato Grosso do Sul responde pelo maior número de assassinatos de índios: 137 nos últimos sete anos. Na reserva de Dourados, área indígena visitada pela BBC Brasil, moradores evitam circular à noite por medo de ataques.
Delmira Cláudio, índia guarani kaiowá, teve três filhos assassinados dentro da reserva, todos com menos de 30 anos. Líderes da comunidade atribuem a violência à inoperância policial, ao aumento de moradores não índios e à venda de álcool dentro da reserva.
Os suicídios, por sua vez, foram a causa de 351 mortes de indígenas desde 2007. A região do Alto Solimões, no oeste do Amazonas, registrou mais casos, 104.
Caso fosse um país e levando em conta os dados de 2012, o DSEI Alto Solimões teria a segunda maior taxa de suicídios por habitante do mundo, 32,1 por 100 mil, atrás apenas da Groelândia. O índice entre os índios brasileiros é de 9 suicídios por 100 mil e, no país, 4,9.
Comparações entre os padrões de morte dos índios e dos demais brasileiros em 2011, último ano em que há dados gerais disponíveis, revelam outras grandes discrepâncias.
Enquanto entre os índios as mortes se concentram na infância e só 27,4% dos mortos têm mais de 60 anos, na população geral os com mais de 60 respondem por 62,8% dos óbitos.
Nas últimas décadas, avanços no sistema de saúde reduziram as mortes por doenças infecciosas e parasitárias entre os brasileiros para 4,5% do total. Entre os índios, o índice é de 8,2%.
Hoje quase a metade das mortes no Brasil se deve a doenças mais complexas e difíceis de tratar: problemas no aparelho circulatório (30,7%) e câncer (16,9%).
Já entre os índios doenças respiratórias, como gripes que evoluem para pneumonia, ainda são a principal causa de morte (15,3%). Cânceres respondem por apenas 2,9% dos óbitos entre indígenas.
Questionamentos à secretaria sobre as mortes de crianças e as ações para combatê-las foram ignorados, apesar de numerosos e-mails e telefonemas.
A BBC Brasil ainda tentou tratar dos temas com o novo ministro da Saúde, Arthur Chioro, e com o ex-ministro Alexandre Padilha, responsável pela pasta entre 2011 e o início deste ano. Os pedidos de entrevista foram igualmente recusados.
Para o médico Douglas Rodrigues, especialista em saúde indígena da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a alta mortalidade entre crianças mostra que atendimento a índias gestantes e recém-nascidos ainda deixa muito a desejar.
Ele diz que as mortes de índios por doenças infecciosas têm duas razões principais: a maior vulnerabilidade de alguns grupos mais isolados a essas doenças e falhas na assistência médica.
"O mais grave é que essas doenças são evitáveis. Não dá para aceitar que em pleno século 21 tantos índios morram por doenças infecciosas."
O professor diz que, nas últimas décadas, houve grandes avanços nos serviços de saúde para os índios. Em 1999, a União assumiu a responsabilidade pela saúde indígena, que passou a ser gerenciada pela Funasa (Fundação Nacional de Saúde).
Em 2010, com a criação da Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde, as ações passaram a ser geridas por um órgão exclusivamente voltado aos índios.
No entanto, segundo o professor, a acelerada melhora nos índices verificada até o início da última década praticamente se interrompeu.
Ele cita os dados de mortalidade infantil entre os índios. Segundo uma apresentação da Sesai, a taxa despencou de 74,6 para mil nascidos vivos, em 2000, para 47,4, em 2004. No entanto, de 2004 a 2011, o índice diminuiu em velocidade bem menor, para 41,9.
No Brasil, a mortalidade infantil em 2011 foi de 15,3. E diferentemente do histórico entre os índios, o índice nacional segue baixando em ritmo uniforme.
"Saiu-se de uma situação de quase desassistência aos índios e foi se aumentando o número de pessoas e lugares em que há profissionais, o que teve um impacto muito grande. Mas depois de 2005 houve uma estabilização, o que é preocupante", diz Rodrigues.
"Agora é o momento de fazer um ajuste fino, de melhorar a qualidade".
Links da BBC
domingo, 23 de fevereiro de 2014
Gravações da Justiça dão detalhes do atentado no Riocentro em 1981
Fantástico obteve depoimentos de testemunhas e participantes.
Ex-delegado diz que havia bomba no palco para atingir artistas.
Com autorização, da Justiça, o Fantástico obteve acesso ao material, que é parte da mais completa investigação sobre o Caso Riocentro, iniciada dois anos atrás.
(veja vídeo ao lado)
Os relatos ajudam a esclarecer o caso, em que estão envolvidos grupos secretos, na tentativa de impedir o fim da ditadura militar. Com eles, o Ministério Público Federal (MPF) encontra detalhes do que aconteceu no Riocentro naquela noite, em que ocorria um show comemorativo ao dia 1º de Maio.
Um dos depoimentos é o do coronel reformado Wilson Machado, que nunca deu entrevistas sobre a explosão ocorrida dentro do carro em que ele estava na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro. No banco do carona estava o sargento Guilherme do Rosário, que morreu no veículo. Machado saiu ferido do episódio.
Em dezembro de 2013 e em janeiro passado, Machado disse ao Ministério Público Federal, que não estava envolvido com o atentado. “Eu nunca carreguei nenhum explosivo, não sei mexer com nenhum explosivo, nunca mexi na minha vida. Não estou encobrindo ninguém, e ninguém vai dizer que deu essa ordem pra mim”.
'Peritos foram pressionados'
Para o procurador Antonio Passos, não há dúvidas de que o inquérito conduzido logo depois do atentado em 1981 foi direcionado para que as conclusões não chegassem aos autores do atentado.
“Peritos foram pressionados, testemunhas foram ameaçadas, provas foram suprimidas do local do crime. Então, a gente não tem dúvida de que a primeira investigação no Riocentro foi direcionada para que o caso fosse acobertado, que não se descobrisse a verdade”, disse.
'Alguma coisa subversiva'
Em 1981, o então capitão do Exército Wilson Machado era chefe de uma seção do Destacamento de Operações de Informações (DOI), órgão de inteligência e repressão da ditadura militar. Segundo seu depoimento, a missão que recebeu do comando do DOI era simples: verificar se os artistas e os participantes falavam “alguma coisa subversiva”.
Desde o primeiro inquérito, ainda em 1981, Machado sempre sustentou que ele e o sargento saíram do carro por alguns instantes depois de terem chegado ao Riocentro, e depois iriam estacionar normalmente. Ele teria ido ao banheiro e o sargento - conhecido no Exército como Wagner - aproveitou para procurar amigos com quem teria ficado de se encontrar.
Os dois voltaram ao carro e houve uma explosão -- que Machado diz não ter achado que se tratava de uma bomba. “Para mim não estourou bomba não, amigo”, disse. “Se você ver aí na declaração, não sei se está aí, quando eu fui interrogado, eu achava que tinha estourado o motor do carro”.
Testemunha
Mais de 30 anos depois do atentado, uma testemunha do caso criou coragem para falar ao MPF. Mauro Cesar Pimentel, dono do carro que aparece em uma imagem feita logo depois do atentado, foi localizado em 2011 pelo jornal "O Globo".
Ele disse não ter se pronunciado antes por medo, mas também conta ter visto o carro de Machado antes da explosão. “Eu olhei bem para dentro do carro e na traseira do carro, no vidro traseiro, que é baixa a traseira, eu vi dois cilindros idênticos ao que ele estava manipulando”, contou ele, referindo-se ao sargento Guilherme do Rosário.
Machado, que viu a declaração por meio do MPF, contesta a informação. “Duvido. Duvido!”, diz Machado.
Em depoimento, Pimentel diz ter visto a explosão e buscado ajuda. “Eu corri, corri e não achei ninguém. Voltei e falei, vou eu mesmo socorrer ele. Mas quando eu voltei, ele não estava mais lá (Machado). Já não estava ele e não estavam os dois cilindros na traseira do carro. Só ficou o sargento, que já estava morto”.
Em todos os depoimentos que deu até hoje, Machado afirma que não se lembra quem o socorreu e diz que o explosivo não estava no colo do sargento. Ele também mostra cicatrizes de que teria sido atingido no episódio.
Na época, a investigação concluiu que a bomba estava imprensada entre o banco e a porta do carona.
'Eu não podia deixar de cumprir a ordem'
O major reformado Divany Carvalho Barros, conhecido no Exército como "Dr. Áureo", admitiu, três décadas depois do atentado, que foi enviado ao Riocentro para recolher provas que pudessem incriminar o Exército. Divany afirma que recolheu de dentro do carro três objetos pertencentes ao sargento Rosário.
“Eu não podia deixar de cumprir a ordem. A caderneta com telefones, nomes, anotações. Peguei a caderneta, peguei uma granada defensiva que ele usava na bolsa que não explodiu. Peguei a pistola dele”, contou em depoimento ao MPF.
Em outro depoimento ao MP, o ex-delegado de polícia Cláudio Guerra contou que sua função era prender, no Riocentro, pessoas falsamente ligadas à explosão. No depoimento, ele revela a existência de mais uma bomba com um novo alvo – o palco e os artistas.
“Seria colocado no palco, justamente para atingir... A comoção seria a morte de artistas mesmo, né?”, diz o ex-policial.
Nenhuma bomba explodiu no palco. No entanto, além da que explodiu no pátio, outra foi atirada na casa de força do Riocentro, para cortar a luz e causar pânico nas mais de 20 mil pessoas que assistiam ao show, segundo os procuradores.
A viúva do sargento Guilherme do Rosário, Sueli José do Rosário, também guardou silêncio por mais de 30 anos, segundo disse ao MPF, por ter sido ameaçada.
“No dia que enterrei meu marido. No dia... Não deram tempo nem para eu chorar a morte do meu marido”, disse. Ela conta que a ameaça veio de alguém chamado de 'doutor Luiz', que teria dito que ela seria acompanhada e mencionado seus dois filhos. O MPF está investigando a identidade do homem.
Restaurante do Rio é peça chave
As investigações do Ministério Público Federal também estão mapeando a atividade dos grupos que lutaram contra o fim da ditadura. Na lista de endereços revelados pelas testemunhas, um restaurante na Zona Portuária do Rio é uma peça importante das investigações.
Segundo o MPF, coronéis e generais do Exército se reuniam no local para planejar os atentados. Depois, as ordens eram repassadas aos subalternos. Somente nos primeiros meses de 1980, foram 46 explosões atribuídas aos militares.
Boa parte dos atentados foi contra bancas de jornal que vendiam publicações consideradas subversivas. Uma bomba enviada à sede da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio, matou a secretária Lyda Monteiro.
Denúncia do MPF
Para o MPF, o coronel Wilson Machado, o ex-delegado Cláudio Guerra e os generais reformados Nilton Cerqueira e Newton Cruz, devem responder por tentativa de homicídio, associação criminosa e transporte de explosivos.
Nilton Cerqueira era comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro e teria suspendido o policiamento no dia do show. Newton Cruz, que ainda foi denunciado por favorecimento, chefiava o Serviço Nacional de Informações (SNI). Segundo o MPF, ele soube do atentado com antecedência e nada fez para impedir.
Os outros denunciados pelo MPF são o major Divany, por fraude processual, e o general reformado Edson Sá Rocha, acusado de ter defendido um plano de atentado um ano antes, também no Riocentro - o único que se recusou a responder às pergundas do MPF.
Passados 33 anos do atentado, os procuradores alegam que o crime não prescreveu porque foi praticado contra o país. Além disso, não estariam cobertos pela Lei da Anistia, válida de 1961 a 1979.
A Justiça Federal ainda está analisando o novo inquérito para decidir se aceita a denúncia.
Procurados pelo Fantástico, o general Newton Cruz disse que já foi julgado e inocentado pelo Superior Tribunal Militar e pelo Supremo Tribunal Federal no caso do Riocentro. A família do ex-delegado Cláudio Guerra disse que ele está doente e não poderia falar. Nilton Cerqueira e Sueli José do Rosário não quiseram dar entrevista para o Fantástico. Já o coronel Wilson Machado e o major reformado Divany Carvalho Barros foram procurados em casa e pelo telefone, mas não foram encontrados.
Veja o site do Fantástico
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