sábado, 3 de novembro de 2007

OS POVOS INDÍGENAS E A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO NA AMÉRICA LATINA E O CARIBE: um marco para ação

Isabel Hernández Silvia Calcagno

Funcionárias da Divisão de População (CELADE, Centro Latino-americano e Caribenho de Demografia) da CEPAL, Nações Unidas.[1] Projeto con Instituto para a Conectividade nas Américas (ICA). [2]

A América Latina alberga quatrocentos povos indígenas, cerca de 50 milhões de indivíduos; a maioria sofre discriminações por sua pertença étnico-cultural e sobrevive em condições de marginalidade que contrastam com o mundo moderno que a rodeia. Sua exclusão econômica se baseia em discriminações gerais, similares às registradas pelas camadas pauperizadas do campo e da cidade; mas sua marginação se aprofunda devido à intolerância e à discriminação étnico-cultural, presentes nas sociedades nacionais da região.

O paradigma de globalização econômica está agudizando os processos históricos de marginação social dos povos indígenas, enquanto no plano cultural se propicia um processo de “homogeneização” que tenta socavar a identidade pluricultural do continente, desconhecendo que a construção de uma cidadania moderna traz consigo o desafio de conciliar as particularidades histórico-culturais de cada povo com a vocação universalista do desenvolvimento e a modernidade.

Não obstante, as causas do recrudecimiento da exclusão indígena e sua atual marginação da sociedade informática não são atribuíveis, exclusivamente, às relações de desigualdade geradas entre o centro e a periferia. Além delas, é preciso focalizar a análise na dinâmica interna destas sociedades e suas lideranças, nas relações de gênero y nos processos migratórios que definem diferenças entre grupos e indivíduos indígenas no que diz respeito ao nível educativo, nível de consciência étnica e sentido de pertinência, possibilidades de inserção em atividades não tradicionais e na aceitação ou rejeição dos meios digitais de informação e comunicação. Em alguns casos, intelectuais, dirigentes e organizações indígenas têm visto nas TICs uma valiosa oportunidade para irem além do nível local e atingirem presença regional, nacional e internacional. Em forma rápida e eficiente, apropriaram-se da tecnologia digital, na qual reconhecem potencialidades para fortalecerem seus processos político-organizativos, de comunicação, revitalização lingüística e cultural. Paralelamente, outros setores indígenas erguem vozes que denunciam as TICs como uma nova forma de ingerência da sociedade nacional, que procura somar as comunidades ao consumo informático pautado por interesses alienígenas.

Para potenciar a inclusão indígena na sociedade da informação, é preciso avançar na definição de propostas de inovação e políticas sociais de caráter reparador ou complementar, que fortaleçam as tentativas indígenas de superar o desafío da marginação informática. As estratégias neste campo surgem nos povos originários que atingiram maiores níveis de coesão comunitária e de representação, direta e legítima, em organizações de segundo e terceiro grau. A sociedade política e a sociedade civil não-indígena, em alguns casos, começam a apoiar estes processos, geralmente de nível local. Contudo, em matéria de políticas públicas, não foi atingido o consenso necessário para se atuar em forma integral e coordenada, tentando reunir os esforços governamentais, da comunidade internacional e das parcerias da sociedade civil, a fim de impulsar a denominada “oportunidade digital”.

Esta Oficina Virtual sobre Inclusão Indígena nas TICs é um espaço propício para aprofundar o debate conceitual e contribuir para a elaboração de um marco para a ação que facilite o acesso indígena às TICs, enquanto veículo de transformação social. A Oficina Virtual é uma janela aberta que soma propostas para uma ação integrada desde a maior diversidade de critérios, experiências e perspectivas culturais.

culturais.

Desafios

Oportunidades

Propostas

* Preconceitos culturais das agências de governo, ONGs e amplos setores das sociedades nacionais. *

* Altos níveis de desconfiança dentro das comunidades indígenas com relação ao possível impacto perturbador das TICs nas pautas culturais e sociais.

* Desfasagem da concepção cultural de tempo e espaço entre a sociedade indígena e a sociedade global. *

* Baixos níveis de alfabetismo e de alfabetização informática indígena.

* Processos intra-comunitários que dificultam a apropriação das TICs.

* Altos índices de desemprego; base econômica indígena fraca.

* Velocidade nas mudanças tecnológicas, que dificultam os

Experiência histórica dos povos indígenas na apropriação, com êxito, de bens culturais da sociedade global.

* Ascensão do movimento étnico em nível continental.

* Presença de novo tipo de lideranças.

Surgimento de organizações de segundo e terceiro grau.

*Maior reconhecimento da sociedade global do rol desempenhado pelos povos indígenas na sustentabilidade do desenvolvimento.

* Aumento da sensibilidade social internacional para com a situação e as demandas indígenas.

*Experiências de auto-gestão econômica, política, cultural e informática indígena.

* Diminuição dos níveis de preconceito e discriminação nas sociedades nacionais, por meio de ações comunicacionais

específicas.

* Promoção de atitudes favoráveis às TICs na população e nos dirigentes indígenas.

* Implementação de programas específicos de acesso (de curto, médio e longo prazos), projetados partindo de diagnósticos integrais realizados com a participação ativa das comunidades indígenas e respeitosos de suas estruturas sociais, culturais e econômicas.

* Articulação com programas econômicos, sociais e culturais de longo prazo que contemplem investimento estratégico para prestação de serviços básicos (ltiiddtlfidã)

processos de tomada de decisão comunitária.

* Elevados custos da infra-estrutura tecnológica, associados ao isolamento geográfico e à carência de serviços de infra-estructura básica.

* Altos níveis de obsolescência tecnológica.

* Ausência de marcos legais que facilitem o acesso a linhas de crédito e/ou financiamento de programas tecnológicos.

* Expansão das TICs orientada segundo a lógica de mercado.

* Concentração da produção de hardware e software num pequeno núcleo de países industrializados. *

* Predomínio da língua inglesa no campo tecnológico.

* Crescente aumento do nivel educativo da população, particularmente entre os migrantes, que gera a presença de um número significativo de profissionais indígenas.

* Maior abertura à incorporação do enfoque de eqüidade de gênero.

*Experiência social acumulada a partir da apropriação efetiva das TICs pelas pessoas e organizações que gestionam estratégias comunicacionais e informáticas em forma autônoma.

*Capacidade instalada em recursos técnicos e humanos.

Experiências realizadas de inclusão eletrônica por meio do modelo de acesso compartilhado (telecentros).

*Aumento do capital social das comunidades.

*Aumento da incorporação tecnológica para alfabetização informática na educação básica.

(eletricidade, telefonia, educação) e promovam a organização autonômica dos povos indígenas.

* Regulação jurídica da participação do setor privado em tais programas e apoio do setor público quando o mercado e sua dinâmica particular não puderem contribuir com soluções efetivas para combater a desigualdade social.

* Implementação de programas de longo prazo que permitam a exploração intra-comunitária para decidir de que forma as TICs serão incorporadas, aceitando a premissa de que as comunidades indígenas podem decidir não utilizá-las da mesma maneira que outros grupos das sociedades nacionais.

Programa específico de acesso indígena às TICs

Sublinhando que o design do programa surgirá de diagnósticos integrais realizados com a participação ativa dos povos originários, esboçamos a seguir alguns dos pontos centrais a serem contemplados por um Programa de acesso indígena às TICs, vinculado com as demandas das comunidades (direitos civis e humanos, governo municipal eletrônico, resguardo do meio-ambiente, produção, educação autonômica bilingüe e intercultural, saúde integral, etc.) e coordenado, nos níveis local e descentralizado, com as políticas de desenvolvimento econômico, infra-estrutura básica (eletricidade, telefonia, rede viária, etc.) e de promoção da organização autônoma dos povos indígenas:

Incorporação das condições mínimas de infra-estructura básica nas áreas rurais mais postergadas e melhoramento da existente em toda a área de assentamento indígena, de forma a facilitar o acesso de uma massa crítica de novos usuários em número que pode chegar a ser significativo para as cifras nacionais, sobretudo em países como a Guatemala, o Equador, a Bolívia e o Peru.

Diminuição do analfabetismo e incremento do nível educativo da população originária em seu conjunto, e particularmente das mulheres.

Promoção de atitudes favoráveis à incorporação das TICs, tanto entre os dirigentes quanto no conjunto da população.

Ênfase nas transformações na educação básica de meninas e meninos: incorporação de programas de educação bilíngüe e intercultural (com presença de agentes, modalidades de transmissão do conhecimento e conteúdos culturais próprios) e, particularmente, impulso ao trânsito, a partir do paradigma pedagógico tradicional, para as propostas da pedagogia crítica, a fim de promover na população infantil comportamentos proativos/positivos e o desenvolvimento de marcos cognitivos conducentes ao usufruto da racionalidade e potencialidade das TICs.

Impulso da modalidade de acesso compartilhado às TICs por meio de telecentros em áreas rurais e peri-urbanas.

Reconhecimento oficial, normalização e divulgação da escrita das línguas indígenas, a fim de abrir espaços informáticos interculturais onde as manifestações de cada povo encontrem expressão em seu próprio código lingüístico, propiciando a produção de um âmbito de aplicação não tradicional para tais línguas.

Identificação e capacitação de organizações indígenas de base, rurais e urbanas, que se encontrem em condições de auto-gestionar empreendimentos comunitários de inclusão informática.

Auto-identificação de práticas locais que se potenciem com o uso das TICs e, ao mesmo tempo, promovam sua incorporação.

Estímulo da autogestão no manejo das novas tecnologias e na produção de conteúdos; fomento do processo de apropriação e capacitação dos usuários indígenas.

Habilitação de instâncias de controle social, local e comunitário, que garantam a efetividade dos mecanismos de coordenação, controlem a administração dos recursos informáticos e supervisionem sua distribuição equïitativa entre a comunidade.

Abertura de fontes de trabalho com base nos novos recursos e habilidades disponíveis nas comunidades.

Desenvolvimento de linhas de pesquisa a respeito das formas de apropriação, acesso, modalidades de uso, objetivos e projeção da participação atual na sociedade informática dos grupos e indivíduos indígenas, focalizando os estudos em profundidade de casos paradigmáticos e representativos. O design de tais pequisas participativas orientará a exploração intra-comunitária para decidir a forma em que as TIC's serão incorporadas, a partir da premissa de que as comunidades indígenas possam decidir utilizá-las de maneira diferente que outros grupos dentro das sociedades nacionais.



[1] Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (CEPAL). A CEPAL é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas e sua sede está em Santiago do Chile. Foi fundada para contribuir para o desenvolvimento econômico da América Latina, coordenar as ações orientadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas dos países entre si e com as demais nações do mundo. Posteriormente, sua tarefa se ampliou aos países do Caribe e foi incorporado o objetivo de promover o desenvolvimento social. A CEPAL possui duas sedes sub-regionais, uma para a sub-região da América Central, localizada em México, DF. e a outra para a sub-região do Caribe, situada em Port of Spain, que foram estabelecidas em junho de 1951 e em dezembro de 1966, respectivamente. Tem, ainda, escritórios nacionais em Buenos Aires, Brasília, Montevidéu e Bogotá, e um escritório de enlace em Washington, DC.

[2] O ICA é uma organização hemisférica que promove a implementação de aplicações inovadoras de tecnologias da informação e a comunicação (TICs) para o desenvolvimento. O Instituto se esforça para conectar as Américas por meio do co-financiamento de projetos, participando ativamente na formação de parcerias e apoiando a criação de conhecimentos e capacitação. A visão do ICA é a de que, ao se conectar os cidadãos das Américas, se estará fortalecendo a democracia, gerando prosperidade e ajudando a tornar realidade o potencial humano da região. O ICA foi criado como uma das contribuições do Canadá à Cúpula das Américas de 2001, recebendo fundos iniciais para trabalhar em cima do sucesso e da experiência da Estratégia "Conectando os Canadenses" (Connecting Canadians Strategy) e dos programas de desenvolvimento internacional e de TICs do Canadá. O ICA mantém escritórios em Ottawa e em Montevidéu; e está sendo incubado atualmente no Centro Internacional de Pesquisas para o Desenvolvimento (IDRC) http://www.icamericas.net



http://redistic.org/brecha/pr/18_-_CEPAL_portugu%E9s.html

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