quarta-feira, 27 de agosto de 2008

STF começa a julgar demarcação da Raposa Serra do Sol

Carolina Brígido e Jailton de Carvalho - O Globo; Agência Brasil; CBN


BRASÍLIA E BOA VISTA - Dezenas de índios com o rosto pintado de urucum e vestindo adereços típicos de suas etnias quebraram na manhã desta quarta-feira o sisudo protocolo do Supremo Tribunal Federal (STF). Depois de enfrentarem fila no STF, eles assistem ao julgamento que definirá a extensão da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que teve início às 9h30m. O relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, começou a sessão com um relato descritivo do histórico da controvérsia. (Infográfico: Entenda o conflito na reserva)


Nestas quarta e quinta-feira, se não houver pedido de vista, os ministros decidirão se será possível a permanência de menos de uma dezena de grandes produtores de arroz e 50 famílias de agricultores em parte da área onde vivem cerca de 19 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang. Pouco mais de uma centena dos habitantes da reserva não são índios.

O julgamento do STF é sobre uma área, de 1,67 milhão de hectares, registrada em cartório como de propriedade da União. Em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso declarou o local como de posse permanente indígena. Em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto homologando a demarcação das terras de forma contínua. Em abril deste ano, a PF começou a retirada de não-índios, mas o STF determinou a suspensão da operação, até que a demarcação fosse julgada pelo tribunal.

A revisão da lei foi pedida pelos senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB ) e Augusto Botelho (PT ), os dois de Roraima. Eles querem a demarcação em ilhas, o que permitiria a permanência de não-índios, entre eles, arrozeiros, dentro da reserva.

O prefeito de Pacaraima (RR) e líder dos produtores de arroz da região da reserva indígena Paulo César Quartiero, também chegou cedo ao STF, e assiste ao julgamento no plenário da Corte.

Uma das moradoras da região, a indígena Joênia Batista de Carvalho Wapichna, advogada, deverá fazer sustentação oral na sessão desta quarta, em nome dos povos que habitam o local. Ela defenderá a demarcação contínua das terras.

Até o início da sessão, Joênia não sabia se seria autorizada a fazer a sustentação oral. Nervosa, experimentou algumas capas no STF, reservada aos advogados que atuam nas causas em plenário. Joênia compareceu à Corte de saia até os joelhos e sapato de salto. Mas não se esqueceu de pintar o rosto e se enfeitar com colares de sementes.

Ministros temem que modelo contínuo prejudique Roraima
Pelo menos cinco dos 11 ministros do STF estão preocupados com a demarcação contínua da reserva indígena, onde estão localizados dois municípios, outros povoados de não-índios, uma rodovia federal, plantações de arroz importantes para a economia do estado e um terreno destinado à construção de uma hidrelétrica. Três ministros manifestaram essa opinião ao 'Globo' em caráter reservado. Outros dois - o presidente, Gilmar Mendes, e Celso de Mello - declararam a preocupação com o tipo de demarcação da reserva em entrevistas concedidas em abril.

Clima de tranqüilidade na Praça dos Três Poderes
Um grupo de aproximadamente 60 pessoas, entre elas índios e sem-terra , está aglomerado na Praça do Três Poderes em frente ao STF para acompanhar a sessão. Segundo a Polícia Militar, o número de manifestantes está bem aquém das expectativas dos órgãos de segurança.

- Oitenta policiais militares foram mobilizados para fazer a segurança no local. O prédio do Supremo foi isolado da praça por grades. A previsão era que viria muito mais índios, muito mais gente, mas por enquanto só tem esses aí - afirmou o capitão José Antônio da Silva Dias, apontando para o pequeno grupo de índios e sem-terra.

O clima é de tranqüilidade. O índio Álvaro Tucano, de uma tribo Tuicano do rio Negro, disse que poderá haver resistência caso o STF anule o decreto de homologação de terras contínuas e determine a demarcação da reserva em ilhas como querem os produtores de arroz , comerciantes e políticos de Roraima.

- Nos 500 anos os povos indígenas sempre resistiram - disse o índio, informando que a forma de resistência, neste caso, será discutida depois da decisão do Supremo.

Na praça os manifestantes exibem faixas com frases em defesa da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em terras contínuas.

- A demarcação em ilhas não existe. É apenas uma formação para atender os interesses econômicos. Os arrozeiros que estão lá são invasores, eles sabiam o tempo todo que as terras pertenciam aos índios. - afirmou Éden Magalhães, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Independentemente da decisão, índios dizem que não desocupam Raposa
Na terça-feira, representantes dos 18 mil índios que vivem na região avisaram que não deixarão de ocupar nenhuma área, mesmo que a mais alta corte do país autorize a permanência de arrozeiros e famílias de agricultores brancos. A Polícia Federal já recebeu reforço no contingente para monitorar a área nos próximos dias. Agentes da Força Nacional de Segurança também estão na região. ( Veja fotos do protesto dos índios )

- O STF pode tomar decisão de qualquer forma que seja, mas aquela terra ali nós vamos continuar ocupando - disse o coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza. - Os povos indígenas não vão sair de lá, sendo (a demarcação) em área continua ou em ilhas. A gente não vai aceitar limite de arrozeiro ou alguém que queira limitar nossa terra ali.

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