A pauta da sessão do STF desta quarta-feira (2) traz no
primeiro lugar da fila um processo tão antigo quanto relevante. Tramita há oito anos, desde 2004. Questiona-se nos autos a legalidade do ProUni, o programa de bolsas universitárias lançado sob Lula.
Patrocina a ação principal a Confenem (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino). A ela foram anexadas outras duas petições –uma protocolada pelo DEM e outra ajuizada pela Fenafisp (Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social).
Relator do processo, Carlos Ayres Britto levou-o à bancada de julgamentos em abril de 2008. Em seu voto, o ministro, agora acomodado na cadeira de presidente do Supremo,
refutou as alegações em contrário e declarou que o ProUni é, sim, constitucional.
O colega Joaquim Barbosa pediu vista do processo. Só agora, decorridos quatro anos, a encrenca retorna à mesa. Chega uma semana depois de o STF ter confirmado, em votação unânime, a legalidade do sistema de cotas raciais nas universidades públicas. Algo que faz supor que também o ProUni será ratificado.
Numa das alegações, os demandantes queixam-se de que o programa criou uma “discriminação” entre os brasileiros, violando os princípios constitucionais da “isonomia” e da “igualdade”. Por quê? Para receber as verbas do ProUni, as universidades têm de instituir uma política de ação afirmativa.
Por essa política, têm acesso às bolsas de estudo alunos que cursaram o ensino médio em escolas da rede pública ou, quando beneficiados com bolsas integrais, em estabelecimentos privados. Mais: no ProUni, parte das bolsas é reservada a negros, índios e portadores de deficiência.
Mais ainda: de acordo com a medida provisória de Lula, convertida em lei pelo Congresso, só têm direito a bolsas integrais os brasileiros que comprovarem renda familiar não superior a um salário mínimo e meio por pessoa. No seu voto, Ayres Britto considerou tudo justo, muito justo, justíssimo.
O ministro serviu-se da máxima segundo a qual “a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.” Utilizou argumentos análogos aos que esgrimiu em favor das cotas raciais. Realçou que o ProUni beneficia estudantes pobres, vítimas de reiterados “ciclos de desigualdades.”
Noutro questionamento, os peticionários alegam que o ProUni impôs uma taxação indireta a entidades educacionais beneficientes que desfrutam de imunidade tributária (no universo de 1.321 universidades que participam do programa, as beneficentes somam 272.).
Nessa versão, ao forçar universidades sem fins lucrativos a aderir ao programa, o governo como impôs a elas um tributo que é pago na forma da concessão de bolsas. E daí? Sustenta-se que, na prática, as instituições beneficentes foram equiparadas às universidades com fins lucrativos. Com uma diferença: quando concedem bolsas de estudo, as escolas que visam o lucro descontam o benefício do Imposto de Renda. Imunes à tributação, as beneficientes não podem fazer o mesmo.
Ayres Britto deu de ombros também para esse argumento. Para ele, o conceito de entidade beneficente de assistência social engloba a benemerência educacional. E o governo não fez senão criar um “critério objetivo de registro contábil compensatório da aplicação financeira em gratuidade por parte das instituições educacionais”. Dito de outro modo: quem usufrui da isenção tributária tem mesmo que devolver parte do privilégio na forma de bolsas de estudo a quem não pode pagar.
De resto, questiona-se no miolo do processo o fato de o governo ter supostamente sujeitado os gestores de entidades que descumprirem os compromissos assumidos no termo de adesão ao ProUni a sanções penais. “Nem de longe”, refutou, de novo, Ayres Britto.
Em seu voto, o ministro anotou que as sanções previstas na lei do ProUni limitam-se à seara administrativa. Considerou que a coisa foi concebida de forma cuidadosa. Condicionou-se a punição dos eventuais infratores à abertura de procedimento administrativo, sujeito aos sacrossantos direitos ao contraditório e à ampla defesa.