quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Índios Tremembés recebem posse permanente de terras no Ceará
 
Criado em 11/08/15 21h01 e atualizado em 11/08/15 21h05
Por Edwirges Nogueira – Repórter da Agência Brasil Edição:Maria 
Claudia Fonte:Agência Brasil
O povo indígena cearense Tremembé conquistou a posse permanente das terras que ocupam no município de Itapipoca (a 135 quilômetros de Fortaleza). A portaria declaratória da Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú foi publicada hoje (11) no Diário Oficial da União.
O termo foi assinado pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no último dia 7 na presença de representantes da etnia em evento realizado no Palácio da Abolição, sede do Governo do Ceará, em Fortaleza.
Adriana Carneiro de Castro, liderança dos Tremembés, considera que o ato é uma conquista não só para a etnia, mas para todos os indígenas do Ceará. “Acredito que essa vitória não está só conosco, mas se expande a todos os nossos parentes, que também esperam por esse momento. Quero dizer a eles que estamos unidos nessa busca de conquistar todas as nossas terras no estado.”
A Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú tem 3.580 hectares. O espaço é alvo de uma disputa judicial com um grupo estrangeiro que planeja construir um grande empreendimento turístico no local. Batizado de Nova Atlântida, o projeto inclui a construção de hotéis e campos de golfe na área.
Por decisão liminar da Justiça Federal, o licenciamento ambiental do empreendimento está suspenso desde novembro do ano passado. “Vivemos uma luta acirrada por conta desse grande impacto na nossa terra e no nosso modo de vida”, diz Adriana.
Após a declaração de posse permanente, o próximo passo é a demarcação da terra indígena, que será feita pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Em seguida, vem a homologação. Entre um processo e outro, ocorre a chamada desintrusão, que consiste na retirada de não-índios do local.
Segundo o coordenador regional da Funai Nordeste II, Eduardo Dezidério Chaves, essa é uma etapa negociada e sem prazos definidos, pois depende da quantidade de posseiros e dos valores que deverão ser pagos pelo que já estava edificado no local.
Para o coordenador, a publicação da portaria declaratória é um marco importante na defesa dos direitos dos povos indígenas do Ceará. “Os processos de demarcação de terras no Nordeste são mais lentos, mas não menos importantes. A portaria é uma vitória dos povos indígenas e da própria sociedade brasileira, pois as terras indígenas são as áreas mais bem preservadas”.
Há 14 etnias indígenas no Ceará, mas somente uma terra é regularizada (a dos Tremembés do Córrego João Pereira, que fica entre os municípios de Acaraú e Itarema, a cerca de 200 quilômetros da capital). Embora o Censo de 2010 conte uma população de 20.697, a Funai estima que os indígenas são quase 30 mil no estado. A região Nordeste concentra 25,5% da população indígena brasileira. A Funai não se pronuncia sobre a disputa judicial envolvendo a terra dos Tremembés da Barra do Mundaú.
Editor Maria Claudia

domingo, 9 de agosto de 2015

Refrigerante e doce provocam epidemia de diabetes em índios em MT



Sentados em círculos, centenas de índios xavantes pintados de vermelho observam o banquete reunido no chão. Mal amanhecia o dia, mas todos passaram as últimas 12 horas de pé, dançando e cantando, na festa que encerrava um ritual sagrado que só ocorre a cada 15 anos.
É hora de repor a energia, mas no banquete quase nada remete à dieta tradicional indígena. Há vários pacotes de pão de forma, farinha de trigo, bisnagas, bolos de caixinha e muito refrigerante.
Famosos pela grande força física e pela veia guerreira, os xavantes estão sucumbindo diante de uma doença silenciosa: o diabetes.
A epidemia é resultado dessa alteração drástica na alimentação dos indígenas, que abandonaram comidas tradicionais, como batata-doce, abóbora e mandioca.
O maior vilão, porém, é a "ödzeire", ou "água doce", na língua xavante. O refrigerante virou um vício.
A preferência é pela Coca-Cola, mas o preço inibe a compra. Por isso, recorrem a marcas mais baratas.
Estudo do endocrinologista João Paulo Botelho Vieira Filho, professor adjunto da Escola Paulista de Medicina, aponta que, em duas das principais terras xavantes, Sangradouro e São Marcos, a prevalência de diabetes é de 28,2%. Na população em geral, é 7%.
Metade dos mais de 4.000 indígenas que vivem nessas duas terras estão obesos.
"Nossa força quase não existe mais como antes", diz o cacique Domingos Mahoro, 58, cuja mulher morreu de diabetes há um mês.

CLIQQUE E ASSISTA O VÍDEO: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/08/1666360-xavantes-trocam-dieta-tradicional-por-refrigerante-e-pao-de-forma-no-mt.shtml

GENÉTICA
Quando os xavantes chegaram à aldeia de Sangradouro, no município de General Carneiro (MT), em 1957, eram delgados, magros e fortes.
Originalmente nômades, as primeiras referências aos xavantes remetem ao século 18, na então província de Goiás.
Vieira Filho visita as aldeias anualmente desde 1976. Ainda naquela década, a Funai criou o "Projeto Arroz" para reverter a escassez de alimentos. O arroz integral da roça foi deixado de lado.
"Após o projeto, os índios foram abandonando as roças. E abandonaram o seu cardápio tradicional, que incluía gafanhotos assados, formigas e larvas, ricos em proteínas", conta o endocrinologista.
Entre os anos 1980 e 1990, chegou o refrigerante. Nos anos 2000, o governo enviava cestas básicas com goiabada, açúcar, macarrão, farinha.
Isso causou um desequilíbrio no organismo dos xavantes. Segundo Vieira Filho, são propensos à obesidade e ao diabetes pois desenvolveram um mecanismo genético que retém energia, vital para tempos de escassez alimentar.
Aposentadorias e o Bolsa Família facilitaram o acesso à cidade mais próxima, a 50 km de Sangradouro, e sua variedade de comida industrial.
MONITORAMENTO
Com uma prancheta, o técnico em enfermagem Constâncio Ubuhu, 39, caminha pelas aldeias anotando os índices de glicemia. Ao lado de cada nome, o número: 200, 300, 400, até 600 mg/dl. O índice normal é considerado abaixo de 100 mg/dl.
Rosalia Ro'odzano, 52, teve a perna amputada. "Eu desmaiava, tinha crises, dores. Comia mesmo muito doce, refrigerante. Percebi como vivia, e mudei. Mas meus filhos comem de tudo."
Angélica Wautomorewe, 60, tinha uma sede irresistível. Um dia, acordou em uma UTI -ficara um mês em coma. "Eu tomava refrigerante todos os dias", diz. Ela diminuiu o açúcar e baixou a glicemia. Mas prefere as ervas naturais à insulina.
O problema dos indígenas é o mesmo dos brancos: a tentação. "O refrigerante é uma novidade que veio do céu, é um artificial tão gostoso", diz Paulo Rawe, 51, há dois anos com diabetes.
A estrutura escassa também dificulta a prevenção. O posto de saúde da aldeia principal está fechado há anos. Nas casas simples de alvenaria, feitas ao estilo tradicional, há geladeira e TV, mas não há banheiro nem água corrente.
As crianças sofrem com o descontrole nutricional. Os bebês nascem com mais de cinco quilos, muitas vezes com deficiências físicas, como lábio leporino e sem orelhas. Abortos e diabetes em adolescentes também são comuns.
Segundo Vieira Filho, a solução é voltar à alimentação tradicional e adquirir novos hábitos. Algumas roças, diz, já são replantadas. E cortar radicalmente o refrigerante.
A esperança depositada nos mais jovens é grande, mas não são poucos os pais que continuam a alimentar os filhos com a bebida doce que, segundo alguns indígenas, "derrete a língua".

Onde fica as aldeias xavantes
CRIANÇAS MORTAS
Em 2014, a cada três dias, uma criança xavante morreu. A principal causa: diarreia. A estatística é de relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) com base em dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena.
Nenhuma etnia perdeu tantas crianças de até cinco anos de idade no ano passado. Ao todo, foram 116 mortes. O número representa 14% do total de crianças indígenas mortas no país (785) em 2014.

As mortes, porém, concentram-se em aldeias longe das de Sangradouro, que contam com o apoio de uma missão salesiana desde sua chegada, em 1957.
Segundo o médico João Paulo Botelho Vieira Filho, a falta de saneamento é a grande responsável pela alta mortalidade. Sem estruturas adequadas de banheiro, os indígenas fazem suas necessidades próximos a riachos. Os rios também são contaminados por agrotóxicos.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que distribui alimentos para crianças com diagnóstico de baixo peso. A pasta diz ainda que "atua diretamente na tentativa de fazer controle de doenças como o diabetes".

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