O povo indígena cearense
Tremembé conquistou a posse permanente das terras que ocupam no
município de Itapipoca (a 135 quilômetros de Fortaleza). A portaria
declaratória da Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú foi publicada
hoje (11) no Diário Oficial da União. O termo foi assinado pelo
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no último dia 7 na presença
de representantes da etnia em evento realizado no Palácio da Abolição,
sede do Governo do Ceará, em Fortaleza. Adriana Carneiro de
Castro, liderança dos Tremembés, considera que o ato é uma conquista não
só para a etnia, mas para todos os indígenas do Ceará. “Acredito que
essa vitória não está só conosco, mas se expande a todos os nossos
parentes, que também esperam por esse momento. Quero dizer a eles que
estamos unidos nessa busca de conquistar todas as nossas terras no
estado.” A Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú tem 3.580
hectares. O espaço é alvo de uma disputa judicial com um grupo
estrangeiro que planeja construir um grande empreendimento turístico no
local. Batizado de Nova Atlântida, o projeto inclui a construção de
hotéis e campos de golfe na área. Por decisão liminar da Justiça
Federal, o licenciamento ambiental do empreendimento está suspenso desde
novembro do ano passado. “Vivemos uma luta acirrada por conta desse
grande impacto na nossa terra e no nosso modo de vida”, diz Adriana. Após
a declaração de posse permanente, o próximo passo é a demarcação da
terra indígena, que será feita pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Em seguida, vem a homologação. Entre um processo e outro, ocorre a
chamada desintrusão, que consiste na retirada de não-índios do local. Segundo
o coordenador regional da Funai Nordeste II, Eduardo Dezidério Chaves,
essa é uma etapa negociada e sem prazos definidos, pois depende da
quantidade de posseiros e dos valores que deverão ser pagos pelo que já
estava edificado no local. Para o coordenador, a publicação da
portaria declaratória é um marco importante na defesa dos direitos dos
povos indígenas do Ceará. “Os processos de demarcação de terras no
Nordeste são mais lentos, mas não menos importantes. A portaria é uma
vitória dos povos indígenas e da própria sociedade brasileira, pois as
terras indígenas são as áreas mais bem preservadas”. Há 14 etnias
indígenas no Ceará, mas somente uma terra é regularizada (a dos
Tremembés do Córrego João Pereira, que fica entre os municípios de
Acaraú e Itarema, a cerca de 200 quilômetros da capital). Embora o Censo
de 2010 conte uma população de 20.697, a Funai estima que os indígenas
são quase 30 mil no estado. A região Nordeste concentra 25,5% da
população indígena brasileira. A Funai não se pronuncia sobre a disputa
judicial envolvendo a terra dos Tremembés da Barra do Mundaú. Editor Maria Claudia
Refrigerante e doce provocam epidemia de diabetes em índios em MT
LUCAS REIS
ENVIADO ESPECIAL À TERRA INDÍGENA SANGRADOURO (MT)
Sentados em círculos, centenas de índios xavantes pintados de vermelho
observam o banquete reunido no chão. Mal amanhecia o dia, mas todos
passaram as últimas 12 horas de pé, dançando e cantando, na festa que
encerrava um ritual sagrado que só ocorre a cada 15 anos.
É hora de repor a energia, mas no banquete quase nada remete à dieta
tradicional indígena. Há vários pacotes de pão de forma, farinha de
trigo, bisnagas, bolos de caixinha e muito refrigerante.
Famosos pela grande força física e pela veia guerreira, os xavantes
estão sucumbindo diante de uma doença silenciosa: o diabetes.
A epidemia é resultado dessa alteração drástica na alimentação dos
indígenas, que abandonaram comidas tradicionais, como batata-doce,
abóbora e mandioca.
O maior vilão, porém, é a "ödzeire", ou "água doce", na língua xavante. O refrigerante virou um vício.
A preferência é pela Coca-Cola, mas o preço inibe a compra. Por isso, recorrem a marcas mais baratas.
Estudo do endocrinologista João Paulo Botelho Vieira Filho, professor
adjunto da Escola Paulista de Medicina, aponta que, em duas das
principais terras xavantes, Sangradouro e São Marcos, a prevalência de
diabetes é de 28,2%. Na população em geral, é 7%.
Metade dos mais de 4.000 indígenas que vivem nessas duas terras estão obesos.
"Nossa força quase não existe mais como antes", diz o cacique Domingos Mahoro, 58, cuja mulher morreu de diabetes há um mês.
GENÉTICA
Quando os xavantes chegaram à aldeia de Sangradouro, no município de
General Carneiro (MT), em 1957, eram delgados, magros e fortes.
Originalmente nômades, as primeiras referências aos xavantes remetem ao século 18, na então província de Goiás.
Vieira Filho visita as aldeias anualmente desde 1976. Ainda naquela
década, a Funai criou o "Projeto Arroz" para reverter a escassez de
alimentos. O arroz integral da roça foi deixado de lado.
"Após o projeto, os índios foram abandonando as roças. E abandonaram o
seu cardápio tradicional, que incluía gafanhotos assados, formigas e
larvas, ricos em proteínas", conta o endocrinologista.
Entre os anos 1980 e 1990, chegou o refrigerante. Nos anos 2000, o
governo enviava cestas básicas com goiabada, açúcar, macarrão, farinha.
Isso causou um desequilíbrio no organismo dos xavantes. Segundo Vieira
Filho, são propensos à obesidade e ao diabetes pois desenvolveram um
mecanismo genético que retém energia, vital para tempos de escassez
alimentar.
Aposentadorias e o Bolsa Família facilitaram o acesso à cidade mais
próxima, a 50 km de Sangradouro, e sua variedade de comida industrial.
MONITORAMENTO
Com uma prancheta, o técnico em enfermagem Constâncio Ubuhu, 39, caminha
pelas aldeias anotando os índices de glicemia. Ao lado de cada nome, o
número: 200, 300, 400, até 600 mg/dl. O índice normal é considerado
abaixo de 100 mg/dl.
Rosalia Ro'odzano, 52, teve a perna amputada. "Eu desmaiava, tinha
crises, dores. Comia mesmo muito doce, refrigerante. Percebi como vivia,
e mudei. Mas meus filhos comem de tudo."
Angélica Wautomorewe, 60, tinha uma sede irresistível. Um dia, acordou
em uma UTI -ficara um mês em coma. "Eu tomava refrigerante todos os
dias", diz. Ela diminuiu o açúcar e baixou a glicemia. Mas prefere as
ervas naturais à insulina.
O problema dos indígenas é o mesmo dos brancos: a tentação. "O
refrigerante é uma novidade que veio do céu, é um artificial tão
gostoso", diz Paulo Rawe, 51, há dois anos com diabetes.
A estrutura escassa também dificulta a prevenção. O posto de saúde da
aldeia principal está fechado há anos. Nas casas simples de alvenaria,
feitas ao estilo tradicional, há geladeira e TV, mas não há banheiro nem
água corrente.
As crianças sofrem com o descontrole nutricional. Os bebês nascem com
mais de cinco quilos, muitas vezes com deficiências físicas, como lábio
leporino e sem orelhas. Abortos e diabetes em adolescentes também são
comuns.
Segundo Vieira Filho, a solução é voltar à alimentação tradicional e
adquirir novos hábitos. Algumas roças, diz, já são replantadas. E cortar
radicalmente o refrigerante.
A esperança depositada nos mais jovens é grande, mas não são poucos os
pais que continuam a alimentar os filhos com a bebida doce que, segundo
alguns indígenas, "derrete a língua".
Onde fica as aldeias xavantes
CRIANÇAS MORTAS
Em 2014, a cada três dias, uma criança xavante morreu. A principal
causa: diarreia. A estatística é de relatório do Cimi (Conselho
Indigenista Missionário) com base em dados da Secretaria Especial de
Saúde Indígena.
Nenhuma etnia perdeu tantas crianças de até cinco anos de idade no ano
passado. Ao todo, foram 116 mortes. O número representa 14% do total de
crianças indígenas mortas no país (785) em 2014.
As mortes, porém, concentram-se em aldeias longe das de Sangradouro, que
contam com o apoio de uma missão salesiana desde sua chegada, em 1957.
Segundo o médico João Paulo Botelho Vieira Filho, a falta de saneamento é
a grande responsável pela alta mortalidade. Sem estruturas adequadas de
banheiro, os indígenas fazem suas necessidades próximos a riachos. Os
rios também são contaminados por agrotóxicos.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que distribui alimentos para crianças
com diagnóstico de baixo peso. A pasta diz ainda que "atua diretamente
na tentativa de fazer controle de doenças como o diabetes".
Médico Clínico e Sanitarista - Doutor em Saúde Pública - Coronel Reformado do Quadro de Dentistas do Exército. Autor dos livros "Sistemismo Ecológico Cibernético", "Sistemas, Ambiente e Mecanismos de Controle" e da Tese de Livre-Docência: "Profilaxia dos Acidentes de Trânsito" - Professor Adjunto IV da Faculdade de Medicina (UFF)
- Disciplinas: Epidemiologia, Saúde Comunitária e Sistemas de Saúde. Professor Titular de Metodologia da Pesquisa Científica - Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO). Presidete do Diretório Acadêmico da Faculdade Fluminense de Odontologia.
Fundador do PDT, ao lado de Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Carlos Lupi, Wilson Fadul, Maria José Latgé, Eduardo Azeredo Costa, Alceu Colares, Trajano Ribeiro, Eduardo Chuy, Rosalda Paim e outros. Ex-Membro do Diretório Regional do PDT/RJ. Fundador do Movimento Verde do PDT/RJ. Foi Diretor-Geral do Departamento Geral de Higiene e Vigilância Sanitária, da Secretaria de Estado de Saúde e Higiene/RJ, durante todo o primeiro mandato do Governador Brizola.